Elementos de Resistência Católica


Elementos de Resistência Católica

     O Mal presente

     O católico deve resistir a tudo que atrapalha ou impede sua salvação. Seu divino fundador disse que os violentos arrebatam o Reino do Céu, e seu primeiro vigário exorta à resistência frente ao devorador das almas. Para cada geração de adeptos da religião verdadeira, sempre haverá motivos para se opôr aos inimigos de sua salvação, os quais há muito já foram identificados.
     O Demônio altera suas estratégias com o acúmulo de uma milenar experiência. O mundo está em maior ou menor consonância com essas estratégias, obtendo assim maior ou menor poder de sedução. E a carne que, no correr dos séculos, herda as consequências do pecado original com relativa constância, tende a reagir de forma parecida às más influências. Mas o mais importante é que a finalidade permanecerá a mesma, a nossa perdição. Cabe somente considerar que a maior astúcia e malícia estarão nos espíritos das trevas, enquanto que nos homens prevalecerá a insensatez e a atração pelos bens sensíveis.

     Astúcia e malícia. Satanás é enganador e homicida desde o começo, disse Nosso Senhor, e os séculos de História da Igreja sentiram bem as consequências desta verdade. Serão os anjos decaídos  os principais tomadores de iniciativa nos projetos contrários à salvação dos homens, serão eles os maiores inimigos de Cristo e de sua Igreja.
     Da perseguição cruenta nos primeiros séculos, passando pela ação insidiosa das heresias, refugiando-se nos guetos e estimulando o Islam na Idade Média, até usurpar progressivamente o poder temporal por meio de homens que pensam ser livres, a ação do Inimigo foi se aperfeiçoando  com o avanço da apostasia  das nações, passadas estas para o controle de congregações iniciáticas fortemente influenciadas por ele. Mas faltava a apostasia dos indivíduos, os quais, enganados, encobriam a realidade torpe do poder consentindo à farsa da democracia moderna. Mas ainda permaneciam um tanto respeitosos da verdadeira religião de Cristo, não se deixando levar completamente pelos ditames do poder mundial e da religião do Anticristo.
     Urgia então aperfeiçoar ainda mais a estratégia. Desta vez a usurpação iria mais além, mais alto, o que não era de se espantar, pois não nos transmite o profeta Isaías as palavras jactantes de Lúcifer: ‘Eu subirei  e entrarei no Paraíso, eu elevarei meu trono acima das estrelas de Deus”?
     O mal presente, contra o qual os católicos devem resistir “fortes in fide”, sob pena de serem integrados nessa “massa de perdição”, que é o mundo moderno, este mal encontra sua origem próxima nessa tentativa sacrílega que, por misteriosa permissão divina, experimenta um sucesso temporário.
     Não é nossa intenção entrar nos detalhes históricos deste processo, muito já se escreveu sobre o assunto[1]. Limitamos-nos a citar um pequeno trecho da súplica a São Miguel Arcanjo composta pelo papa Leão XIII depois de sua visão de 13 de outubro de 1884:
 “A Igreja, esposa do Cordeiro Imaculado, eis que ela está saturada de amargura e  cheia de veneno, por causa de inimigos muito astutos; eles puseram suas mãos ímpias sobre tudo o que ela tem de mais sagrado. Lá onde foi instituída a Sé de Pedro e a Cátedra da Verdade, eles puseram o trono de sua abominação na impiedade. De modo que, sendo ferido o pastor, o rebanho possa ser disperso”.
     O Santo Padre suplicava ao Arcanjo, mas também profetizava. Na versão mais aceita da visão de outubro de 1884, o demônio apostava que poderia destruir a Igreja se obtivesse tempo e um maior poder sobre os seus servos. E isto lhe foi concedido.
     Vivemos justamente esta época em que inimigos muito astutos conseguiram, não destruir a Igreja, pois isto nos foi garantido não ocorrer (Mt. XVI, 19), mas ocupá-la e tornar oficial o que é contrário à sua essência “De modo que, sendo ferido o pastor, o rebanho possa ser disperso”.
     D. Marcel Lefebvre, o bispo providencial que foi o principal baluarte da resistência  católica ás novidades do Vaticano II, foi quem melhor intitulou esta situação de extraordinária aberração eclesial: trata-se do “Golpe de Mestre de Satanás”, que é o “difundir  os princípios revolucionários na Igreja pela autoridade da própria Igreja, pondo esta autoridade em uma situação de incoerência e de contradição permanentes (...)"[2]. Ferido o Pastor, cegado pela Revolução, seu vicariato é instrumentalizado para a dispersão dos fiéis, que progressivamente se desorientam, na medida em que seguem o vigário tornado cego condutor de cegos.
 
Frente ao Vaticano II
      Esta tragédia não surgiu por geração espontânea, ela está intimamente  ligada a um dos acontecimentos mais importantes do século XX, que foi chamado pelo mesmo D. Lefebvre de Terceira Guerra Mundial.
     Não se pode resistir adequadamente a algo de que não temos boa compreensão. Grande parte do esforço dos inovadores tornados ocupantes dos postos da hierarquia, tem sido o  de dissociar o concílio Vaticano II de suas consequências, na tentativa de forjar uma ausência de mácula no evento em si, enquanto que o bode expiatório, chamado “espírito do Concílio”, e que justamente porque é espírito, não se vê, é associado a um sem número de influências e agentes irresponsáveis. 
     Consideremos então o Vaticano II nos seus aspectos mais essenciais, a fim de que possamos perceber sua malignidade o mais claramente possível, seu perigo mortal para a nossa Fé Católica. Depois disto não será difícil constatar a sua relação com o Golpe de Mestre de Satanás que acabrunha  o Corpo Místico de Cristo faz já meio século.
     O que é um  concílio ecumênico? É uma assembléia solene dos bispos de  todo o universo, reunidos ao chamado e sob a autoridade e presidência do Pontífice Romano para deliberar e legislar em comum sobre as coisas que interessam a toda cristandade[3]. Pio IX, na sua bula de convocação do Concílio Vaticano I, indicava as principais finalidades de uma tal assembleia:   
 
 “(...) Decidir com prudência e sabedoria sobre tudo o que possa contribuir para a definição dos dogmas da Fé, para condenar os erros que insidiosamente se espalham, para defender, pôr à luz, explicitar a doutrina católica, para conservar e melhorar a disciplina eclesiástica e para o restabelecimento dos costumes relaxados das populações”.[4]
 
     Trata-se de um órgão extraordinário do magistério supremo da Igreja, ainda que nem todos os seus atos pertençam ao magistério infalível solene, podendo também pertencer ao magistério ordinário universal. De qualquer modo, é aí que se deve exercer, de modo privilegiado, o poder do magistério, com vistas à cura do rebanho dos fiéis, os quais devem ser “alimentados” com a verdadeira doutrina (daí porque se definem dogmas e se explicita a doutrina católica), defendidos dos perigos (condenação dos erros) e conduzidos para as boas pastagens (restabelecimento dos costumes relaxados).

     O Concílio Vaticano II se quis, explicitamente, “pastoral”. Nenhum outro concílio ecumênico se apresentou assim. Mas todos o foram. A diferença entre este e os outros concílios ecumênicos não está no fato de ser “pastoral” em contraposição ao “dogmático” dos outros, mas sim na nova maneira de realizar a pastoral, que rejeita aquelas finalidades de um concílio ecumênico acima citadas.
     A verdadeira pastoral, a dos concílios ecumênicos que precederam o Vaticano II, pressupunha a primazia da verdade revelada que, por meio do magistério, devia ser a inspiradora e critério para todas as medidas tomadas com vistas à condução da cristandade. Primeiro, esta cristandade devia ser ensinada, devia conhecer sua fé, para depois saber o que deveria  praticar de acordo com esta fé.  Se se tomavam disposições com relação ao mundo não católico, estas eram sempre com vistas à sua conversão, buscava-se simplesmente que este aceitasse a  única verdadeira boa-nova, podendo assim tornar-se capaz de ser ensinado e conduzido. A pastoral decorria do magistério, dependia e devia ser avaliada por este.
     Mas agora temos uma mudança revolucionária. A pastoral impõe limites ao magistério: “Devido ao caráter pastoral do Concílio, este evitou proclamar, de maneira extraordinária, dogmas com a nota de infalibilidade”[5], declarou Paulo VI, pouco depois do Concílio.
     _  Mas desde quando a condução do rebanho de Cristo pode ser causa de se não proclamar a verdade?
     _ Desde quando a pastoral passa a ser inspirada pelo diálogo com um “outro”, diálogo este que substitui o Magistério que nutre com a verdade revelada primeiramente os fiéis, e depois estimula o impulso missionário que deve conduzir todos ao rebanho de Cristo. Vê-se então, no lugar do ensino (“Ide e ensinai todas as nações...”), a comunicação entre as partes, a troca de experiências em vista de um suposto enriquecimento mútuo[6]. A autoridade daquele que ensina aí se torna algo de inútil, uma excrescência que só tende a atrapalhar o livre fluir das idéias entre as duas partes em diálogo. No máximo ela poderá ser a moderadora para com os fiéis, no sentido de regular esta fluência de idéias, tendo em vista a conservação da unidade, condição para o diálogo[7]. Mas a autoridade da Igreja no Concílio, diante do mundo, não poderá “falar como quem tem autoridade”, como disseram de nosso Salvador. E não só isto, mas, consequência do diálogo, se esforçará para  que esta receba do mundo, como dizia o cardeal Ratzinger  “os melhores valores produzidos em dois séculos de cultura liberal”.
    Todo o mecanismo da apostasia está aí em germe: ad extra, para com o mundo apóstata, o diálogo que torna a Igreja permeável à Revolução. Ad intra, a preocupação com a unidade que, por causa da permeabilidade agora tornada regra, se dissociará necessariamente da verdade. Mas o catolicismo é a religião da autoridade que realiza a unidade na verdade e na caridade. Se a verdade é relativizada pelo diálogo, a autoridade tenderá fatalmente para a tirania. Exigirá a unidade na conivência com o erro. E profanará a caridade, promovendo uma associação de enganados que pensam que se amam.
     No Vaticano II o que há de mais formal num concílio ecumênico, ou seja, o comprometimento da autoridade de origem divina, foi suplantado, e mesmo instrumentalizado, por outro tipo de autoridade. Criou-se, ou melhor, assimilou-se, uma autoridade que vem de baixo, imitando-se parcialmente os modelos das democracias modernas, onde o povo, medido pelo número, é facilmente manipulável por minorias ativas e ocultas que o degradam. Nessas democracias o povo, conivente com a degradação, aceita a farsa de que são eles que conduzem os destinos da nação. Na igreja conciliar, os fiéis,  coniventes com o erro que lhes dá impressão de autonomia,  ao mesmo tempo pensam obedecer ao Espírito Santo! Aliás, não foi o próprio iniciador do Concílio, João XXIII, que insinuou uma nova maneira de inspiração para o Concílio?[8]  

      Ocupação da Igreja Católica: O Estado de Necessidade.

     Esta colossal falsificação foi o instrumento privilegiado para a consecução de planos multisseculares por parte dos inimigos de Jesus Cristo. Expulso pela soberba dos homens, o Espírito Santo deu lugar ao espírito do mundo, que passou a forçar o corpo místico de Cristo no sentido de se amoldar aos padrões da Cidade dos Homens. Não há pior violência que esta. Pois é um atentado contra a vida divina participada pelos homens, algo de infinitamente mais nobre que a vida natural.  Doravante, as autoridades tenderão a conduzir os católicos a amar e se dedicar às coisas do mundo, pondo nelas sua esperança, relativizando a vida da  graça e esquecendo as exigências para se entrar na eterna Bem-Aventurança.
     Obras importantes como a de R. Wiltgen, descreveram a tomada de poder por parte das correntes liberais que, como dizia 40 anos antes dos fatos o cardeal Billot, só esperavam o momento propício para irem à desforra e realizar um novo  “1789” na Igreja.
     Mas seria inútil a vitória momentânea, se não se seguir a ela a instauração de um novo regime. A ocupação da Igreja de Cristo se deu nesta 3ª guerra mundial que foi o Vaticano II. O “Novo Regime” será levado a cabo através de uma estrutura parasita formada por eclesiásticos e leigos que vão de piedosos iludidos até frios infiltrados, e que um dos principais membros desta estrutura, o defunto cardeal Benelli, chamou de “igreja conciliar”.
Assim como se observou, durante o Concílio, que um concílio podia ocultar outro[9],assim também neste último meio-século uma igreja eclipsa outra, a igreja conciliar age como sombra que impede progressivamente a verdadeira Igreja de espalhar seus brilhos pelo orbe.
     Note-se que esta ocupação, para ser eficaz, tem que permanecer oculta para a maioria. O sucesso desse parasitismo depende de sua capacidade de não aparecer distintamente no organismo. No caso presente, dificilmente se distinguirá  com clareza os frios infiltrados dos úteis de toda sorte.
     Mas o que mais importa são os efeitos, sobretudo quando estes são numerosos, conexos e tendentes a se cristalizar em novas e adulteradas instituições. Ora, o pós-concílio nos oferece uma multidão de exemplos de degeneração eclesiástica, cuja dispersão  aparente dá lugar, após exame mais acurado, a um conjunto ordenado, com finalidade maligna inequívoca, e muitos desses exemplos tornaram-se instituições. A Nova Missa e o Novo Direito Canônico[10], em particular, condensam e estimulam grande parte dessas novidades, tornando-as normas, normas que não são católicas, mas que passam a fazer parte do modo habitual de agir da hierarquia ocupante.
     O dilema então é inevitável. A obediência devida torna-se conivência com a destruição do bem comum eclesiástico, porque os que governam prejudicam este  bem  de modo contínuo, mesmo se dizem e até pensam promovê-lo.
     Uma situação extraordinária passa a existir, onde  o cumprimento das mais elementares obrigações para com o Bom Deus nos força a infringir leis válidas, mas suspensas no momento, porque feitas para tempos normais.
     Para bem resistir é preciso compreender que, assim como não se pode fazer cálculos de porcentagem com o Vaticano II, também não se pode condicionar a obediência a autoridades habitual e objetivamente infiéis, à  apreciação do que esta ou aquela determinação, ou esta ou aquela autoridade pareça ou não estar de acordo com a Tradição. Não se trata somente de uma corrente ou espírito, trata-se de uma ocupação, de um domínio organizado, que legisla! O erro se solidificou nas mentes e vontades desvairadas dos que governam e, em particular dos soberanos pontífices. Um modo habitual de exercer a autoridade que é gravemente nocivo à Fé, não pode ser revertido por alguns atos aparentemente benévolos, mesmo que esses atos sejam repetidos e possam dar certa sensação de estabilidade aos que não  se conformam com as novidades. Enquanto o papa não renegar explicitamente  os erros e confessar abertamente a verdadeira Fé, a obediência às autoridades deve ser suspensa. Não há meio-termo na confissão da Fé. E cabe divinamente ao sucessor de Pedro confirmar seus irmãos. Se não os confirma, é mau pastor, roguemos com Cristo por ele, mas afastemo-nos dele para não sermos devorados pelo lobo com o qual, nesses últimos tempos, ele se associou. 
 
Contra a Tentação atual: o Espírito de Fé.

     E o lobo tem uma bela pele de ovelha, que pode ser rica e tradicionalmente ornada. Após as batalhas dos anos 60 e 70, viu-se o modernismo instalado solidamente em Roma, mas também se viu o pequeno rebanho da Tradição estabelecido aqui e ali em todo o mundo.
     O demônio quer reinar em toda parte, seu reino de mentira é totalitário, não admite concorrentes, pois nada  abala mais o erro e a mentira do que a  luz da verdade, mesmo que seja um pequeno facho.

     Mas o demônio também é velho, velhíssimo, sabe muito bem que mais ou menos anos não mudarão em nada seu inferno eterno. Aqui na Terra, ele pode jogar com o fator tempo, esperando, estimulando os homens a esperar e a apostar na ação a longo termo[11].
     O objetivo religioso desse revoltado é o de uma religião mundial que terá Lúcifer como “mediador” e possivelmente como deus[12], mas este objetivo é por demais audacioso e perverso para ser aceito como tal pela humanidade, e por isso é necessário antes enfraquecer todas as religiões desta, especialmente a verdadeira. Assim, para se chegar ao objetivo principal, deve-se passar pelo objetivo intermediário, que é o pluralismo religioso.
     Assis foi a primeira reunião pluralista da história, organizada justamente pelo chefe do catolicismo! E isto continua como um espírito que enfraquece pela convivência e pela falsa obediência: não só a convivência com falsas religiões, mas, pela falsa obediência, a convivência com falsos católicos que acarretará, mais cedo ou mais tarde, a corrupção dos verdadeiros.
     A tentação atual é um aprimoramento do golpe de mestre de Satanás, endereçada especialmente aos recalcitrantes frente às novidades. Pacientemente foi-se integrando  um número de descontentes amestrados e se providenciou para eles um “lugar ao sol”, sob condição de uma aceitação mínima mas suficiente da nova situação. Não há uma fórmula definida para esta aceitação, mas se faz menção frequentemente à legitimidade do Novus Ordo, se insiste no Vaticano II como fazendo parte do Magistério e na obediência ao Sumo Pontífice sem as devidas distinções. Por este grão de incenso oferecido, é possível se desfrutar das vantagens da “plena comunhão”: não ser mais considerados como “duros”, “rebeldes” e até mesmo “cismáticos”. Este alívio sensível, em muitos, parece encobrir a noção da real prevaricação: se pospõe a doutrina à unidade, a fé à obediência, fazendo-se exatamente o jogo do modernismo.
     Os que se prestam a esta farsa tornam-se lobos, mas demoram de perder a pele de ovelha. Batinas e hábitos religiosos, canto gregoriano e paramentos, doutrina mais ou menos tomista, Missa tradicional desnaturada pela Summorum Pontificum, e até mesmo algum inconformismo permanecem. E isto não só os conforta, mas pode impressionar os que tiveram a graça de não dar este passo.
     É um fato que as comunidades Ecclesia Dei experimentam um crescimento de fiéis e de vocações. Seria então este crescimento, essas belas cerimônias e procissões[13], todas essa quantidade de religiosos e seminaristas que aumenta a cada ano, a prova de que é possível guardar o catolicismo íntegro e, ao mesmo tempo, obedecer à atual hierarquia?
     Absit. Que não sejam jamais confundidos a paz e o comodismo. A paz é uma tranquilidade na ordem, provêm dela. No comodismo a tranquilidade resulta de uma situação fugaz, onde o egoísmo está satisfeito. Esta tranquilidade dura tanto quanto a situação e, como não é regida pela ordem, favorece a desordem de quem a sente.
     E, no entanto, só um sólido espírito de fé pode levar a discernir a desordem no caso presente e, sobretudo, agir em conformidade com este discernimento. A Fé não é só a raiz e fundamento da justificação, é também a cooperadora de todas as outras virtudes.
     Discernir: o desfalecimento no combate da Fé depois de um maior ou menor período passado sob as autoridades da Roma conciliar, inobstante as aparências de continuidade, manifestando-se isto por declarações e atos. O caso do mosteiro do Barroux é emblemático. D. Gérard declarou que assinava o acordo do Barroux com as autoridades romanas sob duas condições:
- Que não se desacreditasse a pessoa de D. Lefebvre
- Que nenhuma contrapartida litúrgica ou doutrinal fosse pedida, e que nenhum silêncio fosse imposto à pregação anti-modernista do Mosteiro.
     E, há poucos anos atrás, um de seus principais monges, D. Basile Valuet, declarava que “(...) o Mosteiro finalmente se converteu à visão do Vaticano II”. Com efeito, defendem agora a liberdade religiosa e o ecumenismo e, às vezes, concelebram a nova missa.
     Constatações como esta devem nos comover muito mais do que belas procissões e cantos litúrgicos. Nossa atenção e nosso critério de avaliação devem sempre privilegiar o cuidado com a ortodoxia, diante do qual os outros aspectos se tornam relativos. E assim, quando vemos as belas fotos de suas cerimônias litúrgicas, procuremos saber quem são os altos prelados que  as oficiam. Descobriremos, por exemplo, que o cardeal Cañizares, que participa delas, que  usa (ou pelo menos usava, no tempo de Bento XVI), capa magna de não sei quantos metros, no velho estilo, também prefaciou, faz pouco tempo, a autobiografia de Kiko Argüelo, um dos fundadores do movimento Neocatecumenal.
     Agir: podemos perceber a ocupação e sua malignidade, mas desconhecemos sua duração. Está nos desígnios de Deus, que permitiu os 70 anos do cativeiro da Babilônia, um número semelhante de anos para os papas de Avignon. E o flagelo da heresia protestante, sob diversos avatares, está para alcançar os cinco séculos de estragos.
     Mas já é uma longa ocupação. E numa ocupação, o ocupante sempre busca que se considere normal a ocupação, que é uma anormalidade. E o caso presente é o da mais anormal das ocupações. O esforço dos ocupantes tenderá a ser maior. Podemos estar certos de que continuaremos a ser solicitados à obediência, à colaboração, ou ao menos à passividade diante das autoridades ocupantes. Mais  do que nunca nossas tropas, mesmo que reduzidas, devem ser alertas, ligeiras e móveis. À aproximação das autoridades, que são autoridades, mas que, visto o estado atual, inevitavelmente prejudicam, as primeiras interrogações devem ser: confessam a fé de sempre? Condenam os erros? Se não, é ao menos inútil a frequentação de tais autoridades. E é uma ruína a submissão a elas.
     Não importa quanto isto dure. Não há risco de cisma para quem segue a Fé de sempre tendo em conta a situação presente. O risco e a ruína são iminentes, sim, para os que relativizaram a fé diante de uma determinada situação, mostrando assim que não é esta o critério com o qual avaliam a mesma situação. Os tristes eventos que envolveram a FSSPX nesses últimos anos ilustram essa perda de critério, que costuma começar pelas autoridades (rezemos pelos nossos superiores, principais alvos do Inimigo), e que se estende sobre os subordinados em diversos graus, mas tendo quase sempre como caráter predominante a cega obediência: ao invés do homem que pratica a virtude, vemos o funcionário sem escrúpulos que executa e transmite a consigna. É o mínimo que a Revolução precisa. Mas é o suficiente, e o Golpe de Mestre de Satanás continuará a ceifar todas as “cristandades”, pequenas ou grandes, que preferirem conservar uma situação ambígua, por causa dos benefícios passageiros que  ela propicia.
     Não tenhamos ilusões: a apostasia é generalizada. E confessar a Fé em tempos tais é expor-se à perseguição e às precariedades que ela implica. Mas a graça de Nosso Senhor é vitoriosa, a adesão a Ele é a solução, e esta graça sempre nos permitirá subsistir, crescer e construir. E construir sobre bases verdadeiras, que não se abalam ante o sopro da Revolução.

FBMV




[1] Ver, por exemplo J. Ploncard d’Assac, L’Église Ocupée, e D.  Marcel Lefebvre,  Do Liberalismo à Apostasia, obras cuja leitura é indispensável à compreensão da situação eclesiástica atual.
[2] D. Marcel Lefebvre, O Golpe de Mestre de Satanás, 1ª homilia.
 
[3] Dictionnaire de Théologie Catholique, art. Conciles Écumeniques.
 
[4] ASS nº 4 (1868), pág. 5.
[5] Cit. In Catéchisme Catholique de la Crise dans l’Église, Ed Le Sel, pág. 58.
 
[6] Em sua fundamental encíclica Ecclesiam Suam, bem como em numerosos discursos (como os da abertura das diversas sessões do Concílio), Paulo VI introduz, ainda que com numerosas ressalvas que parecem garantir a doutrina tradicional, os conceitos de "auto-consciência" e  "diálogo": a partir do cumprimento do dever de aprofundar a consciência de si própria, a Igreja deve entrar em diálogo com o mundo em que vive. "A Igreja faz-se palavra, faz-se mensagem, faz-se diálogo" (Ecclesiam Suam, nº 38). Mas faz-se Magistério? Certamente os missionários sempre dialogaram com os pagãos. Mas o espírito era diverso. Aqui, o que há de novo é que a partir dessa "conscientização", a Igreja, religião do Deus que se fez homem, é invadida por uma imensa simpatia para com a religião do homem que se faz Deus, como disse Paulo VI no seu célebre discurso de encerramento do Concílio. Emerge daí um novo humanismo que só tem de católico a aparência, mas cujo fundo é a desistência prática do "ide e ensinai", em proveito de um suposto "fato consumado" de um mundo que se tornou "adulto".
[7] Se um ou outro se dissolvem, é o fim do diálogo, e os que estão de fora deste e observam a dissolução ficarão escandalizados, desencorajados para fazer o mesmo. Por isso os modernistas preferem o ecumenismo ao sincretismo que é, na maioria dos casos, fruto da ignorância, enquanto que o ecumenismo é mais metódico e estável. E estas características serão ainda mais cuidadas quando se tratará de realizar o ecumenismo ad intra, para  com os que resistem às novidades.
[8] “El 9 de enero, habló bajo secreto con Dom Rossi, antiguo secretario del Cardenal Ferrari:
 
- Esa noche, le dijo, vino a mí una gran idea: hacer un concilio.
- Don Rossi respondió:_ Es una hermosa idea..
- ¿Sabes? No es cierto que el Espíritu Santo asiste al Papa.
- ¿Cómo dice Santo Padre?
- No es el Espíritu Santo el que asiste al Papa. Soy yo quien no soy más que su  asistente. Es Él quien hace todas las cosas. El Concilio es su idea.”
(Hermano Pedro de la Transfiguración, Juán XXIII, El papa del Concílio, RC N º 197, abril de 2012, traduzido do francês).
[9] Idem.
[10] Quanto ao novo Código, embora  não apareça à primeira vista, pode ser considerado, de certo modo, como dizia D. Marcel Lefebvre, ainda pior que a Nova Missa, pois tende a normalizar o espírito do Concílio: "(...) É de augurar-se que a nova legislação canônica se torne instrumento eficaz, do qual se possa valer a Igreja, a fim de aperfeiçoar-se segundo o espírito do Concílio Vaticano II e tornar-se sempre mais apta para exercer, neste mundo, sua missão salvífica" (João Paulo II- Constituição Apostólica Sacrae Disciplinae Leges )
[11] Os papéis da Alta Venda dos Carbonários, organização maçônica revolucionária,  descobertos pela polícia de Pio IX, dão testemunho disto: "O trabalho que vamos empreender não é obra de um dia nem de um mês, nem de um ano; pode durar vários anos, talvez um século; mas em nossas fileiras um soldado morre, mas a luta continua".
[12] J. Vaquié, Abregé de Démonologie, pág.
[13] Nas páginas coloridas do outrora católico Catholic, vemos abundantes fotos dessas tais cerimônias onde a beleza das aparências esconde o feio modernismo de muitos que as celebram.